O LIVRE
ARBÍTRIO E SEUS PARADOXOS
Introdução
1. Não posso
dizer que meu interesse por esse assunto está relacionado às atuais
controvérsias que existem em torno dele na religião, pois essas controvérsias
começaram a existir no século IV, a propósito das discussões travadas entre
Agostinho (354-430). Na verdade, foi esse teólogo que cunhou esse termo “livre arbítrio”, para fazer frente aos
argumentos teológicos de Pelágio (354-420). A palavra se tornou título do seu
livro “De Libero Arbitrio”, publicada em 395, “escrito na forma de diálogo do autor com o seu amigo Evódio. Nesta
obra, Santo Agostinho elabora algumas teses a respeito da liberdade humana e
aborda a origem do mal moral”[1]. Mais
ainda: “A questão do livre-arbítrio foi
frequentemente debatido na igreja do Ocidente, assim no século IV, entre
Agostinho de Hipona, e Pelágio, no século XVI entre Erasmo de Roterdão e Lutero
e no século XVII entre Jansenistas e Jesuítas”[2].
Enfim, há séculos o assunto é objeto de controvérsias em termos religiosos.
2. Posso,
sim, dizer que meu interesse na atualidade se deve às controvérsias que, em
torno dele, passaram a existir na filosofia e na ciência, principalmente a
partir das descobertas de que o ser humano tem suas ações influenciadas por
fatores biológicos, sociais e culturais. A conclusão de vários teóricos é de
que, consequentemente, o ser humano não seria livre para agir à luz de sua
vontade. Numa definição clássica, não teria a “capacidade de escolher e decidir de acordo com a própria vontade”.
Por isso, o ser humano não seria livre e não poderia ser responsabilizado por
seus atos. O livre arbítrio seria um engodo.
Paradoxos abordados na filosofia.
Osmar
Mackeivicz, em sua tese sobre “O Problema da Liberdade na História da
Filosofia”, aborda a existência do assunto nos escritos de Aristóteles (384-322),
escrevendo: “ARISTÓTELES, citado por
RABUSKE (1999, p. 89), analisa que: “A liberdade é a capacidade de decidir-se a
si mesmo para um determinado agir ou sua omissão”. Logo, liberdade é o
princípio para escolher entre alternativas possíveis, realizando-se como
decisão e ato voluntário”.[3]
Essa maneira de agir foi chamada por ele de “livre escolha”[4].
Essa maneira de pensar permaneceu durante algum tempo na Filosofia. Por
exemplo, para “René Descartes
(1596-1650), o livre arbítrio é a capacidade de escolher entre fazer ou não
algo sem ser forçado por uma força externa. O livre-arbítrio está ligado à
liberdade e à moral”[5].
Na medida em que o tempo passou, todavia, essa maneira de pensar encontrou
obstáculo no conceito de “determinismo”, doutrina segundo a qual “existe uma cadeia de relações causais (de
causa e efeito) que determinam padrões de construção do mundo, interferindo
inclusive nas ações e na vida das pessoas."[6] Se
há determinismo, então, não liberdade para escolher de acordo com a vontade. Os
seguintes filósofos defenderam essa teoria: "Friedrich Ratzel, geógrafo e antropólogo
alemão, acreditava que o meio determinava a vida e as ações das pessoas;
Friedrich Nietzsche, filósofo e filólogo alemão, afirmava haver uma força
criativa universal que movimentaria toda a vida; Baruch de Espinosa: para o
filósofo holandês, qualquer ação de um ser humano não é uma ação isolada. Ela é
resultado de ações anteriores que ele mesmo tomou, e essas ações são resultados
de outras ações, o que coloca o ser humano numa espiral sem fim até a sua morte”.[7] Os
fatores deterministas seriam originários da biologia, da cultura, da sociedade,
influenciando as decisões dos indivíduos no exercício da vontade.
Paradoxos defendidos pela ciência
Depois
de ocupar espaço entre as discussões teológicas e filosóficas, o livre arbítrio
passou também a ser objeto de apreciação por cientistas. Estes também quiseram
saber se os seres humanos são capazes de fazer escolhas decidir ou se o que
fazem é resultado de forças naturais e biológicas. Se as leis vigentes atribuem
responsabilidade aos indivíduos pelo seu agir para julgar e punir os seus
infratores, o pressuposto é de que os indivíduos são capazes de fazer escolhas
e decidir. Mais do que pensar que o destino das pessoas é decidido pelas
estrelas, pesquisas científicas mostraram resultados em que o livre arbítrio
seria relativo: “Um dos primeiros
trabalhos que ajudaram a colocar o livre-arbítrio em suspensão foi realizado em
2008. O psicólogo Benjamin Libet, em um experimento hoje considerado clássico,
mostrou que uma região do cérebro envolvida em coordenar a atividade motora
apresentava atividade elétrica uma fração de segundo antes dos voluntários
tomarem uma decisão – no caso, apertar um botão. Estudos posteriores
corroboraram a tese de Libet de que a atividade cerebral precede e determina
uma escolha consciente. O pesquisador Stefan Bode e sua equipe realizaram
exames de ressonância magnética em 12 voluntários, todos entre 22 e 29 anos de
idade. Assim como o experimento de Libet, a tarefa era apertar um botão com a
mão direita ou esquerda. Resultado: os pesquisadores conseguiram prever qual
seria a decisão tomada pelos voluntários
sete segundos antes deles tomarem consciência do que faziam”.[8] O
outro lado dessa moeda científica são as descobertas da neurociência sobre a
plasticidade do cérebro, que é a capacidade do cérebro em se modificar, criando
novos caminhos em resposta a estímulos da cultura, do ambiente, novos
conhecimentos[9].
Desse modo, ainda que existissem determinantes prévios biológicos, culturais e
ambientais, os indivíduos poderiam fazer uso do livre arbítrio.
Conclusão
Por
mais que sejam interessantes os debates na teologia e na filosofia, assim como
as pesquisas cientificas, a defesa da existência do livre arbítrio ou da
liberdade de agir está condicionada à compreensão de que além das influências
biológicas e culturais, assim como de suas respostas neuronais, o indivíduo
assume posturas e toma decisões movidas pelo seu “eu”. Embora este “eu” tenha
sido construído sob a influência da biologia e da cultura, ele é responsável diante de si, da sociedade e de
Deus, principalmente como gestor das forças determinantes por sua biologia, seu
psiquismo, sua cultura. Com base na existência do “eu” gestor e de sua
responsabilidade pessoal é que existe o julgamento humano e o julgamento
divino. Todavia, o livre arbítrio analisado neste artigo está considerando
especificamente a responsabilidade do indivíduo diante de Deus em relação ao
que decide a respeito de Jesus Cristo, além das situações em geral, quanto ao
certo ou errado, bom ou mau, bem ou mal, moral ou imoral, legal ou ilegal, conveniente ou inadequado e
assim por diante.
O objeto de arrazoado nas palavras de Jesus Cristo e nos ensinos dos apóstolos foi sobre os seres humanos serem convidados a fazerem uma escolha entre crer ou não crer. Nesse sentido, Jesus Cristo sempre dizia: “Aquele que quiser”. Nesta área de decisão, também entra o componente espiritual na formação do “eu” como gestor. Na atitude de acreditar ou não em Jesus Cristo, os indivíduos tem a liberdade de crer ou não, podendo decidir. Neste caso, no Juízo Final, é o que fazemos a respeito de crer ou não em Jesus Cristo que determinará nossa eternidade. Nesse sentido, não é o que defendem os filósofos ou teólogos ou cientistas em seus debates que vai determinar nosso destino eterno. O segredo não está na doutrina da predestinação calvinista que anula o livre arbítrio ou na doutrina arminiana que defende o livre arbítrio anulando a predestinação calvinista, em termos teológicos. O segredo é a faculdade espiritual do “eu” em ter a liberdade de crer ou não em Jesus Cristo e, consequentemente, ser responsável por essa decisão pessoal diante de Deus: “A vontade daquele que me enviou é esta: Que todo aquele que vê o Filho e crê nele, tenha a vida eterna” (João 6.40) e “Quem crê nele não é condenado, mas quem não crê já está condenado, porquanto não crê no nome do Unigênito Filho de Deus” (João 3.8)
BIBLIOGRAFIA
BIEHL, Hugo.
O Poder do Livre-arbítrio Consciente. Florianópolis, Editora Insular, 2018.
CARDOSO,
Renato C. Livre-Arbítrio – Uma Abordagem Interdisciplinar. Belo Horizonte,
Artesã Editora Ltda., 2017.
JUNIOR,
Nilson Ribeiro Luz. A Ilusão do Livre Arbitrio. São Paulo, Editora Hezion,
2024.
SAPOLSKY, Robert
M. Determinados: a ciência da vida sem livre Arbitrio. São Paulo, Companhia das
Letras, 2025.
[2] QUINSON,
Marie-Therese (1999). Dicionário Cultural do Cristianismo. São Paulo, Edicoes
Loyola., 1999, p. 184.
[3] http://www.educadores.diaadia.pr.gov.br/arquivos/File/2010/artigos_teses/FILOSOFIA/Artigos/o_problema_da_liberdade.pdf
[4] Aristóteles,
Ética a Nicómano, Livro V, Capítulo VIII.
[5] https://www.google.com/search?q=livre+arbitrio+em+Ren%C3%A9+Descartes&oq=livre+arbitrio+em+Ren%C3%A9+Descartes+&gs_lcrp=EgZjaHJvbWUyBggAEEUYOTIHCAEQIRigATIHCAIQIRigATIHCAMQIRigATIHCAQQIRigAdIBCjExMjU5ajBqMTWoAgiwAgHxBV7ebFQT-kTz8QVe3mxUE_pE8w&sourceid=chrome&ie=UTF-8
[6] https://brasilescola.uol.com.br/sociologia/determinismo.htm
[7]
Idem, ibidem
[8] https://veja.abril.com.br/ciencia/o-livre-arbitrio-nao-existe-dizem-neurocientistas/
[9] https://www.tecmundo.com.br/ciencia/274947-ciencia-filosofia-livre-arbitrio-ele-existe.htm
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